Ben Harper & the Innocent Criminals

Posted on November 2, 2003

O concerto de Ben Harper & the Innocent Criminals ontem no Pavilhão Atlântico foi, como seria de esperar, muito bom.

Ao contrário de outros concertos recentes, este foi o epítome da simplicidade e valeu (e bem) pela música e não pelo espectáculo.

Sendo conhecedor da música de Ben Harper já de há algum tempo não é novidade para mim que ele é um bom músico e que se revela bem na linha dos grandes guitarristas dos anos 70, tanto como intérprete como compositor.

O concerto a que assisti ontem confirmou tudo isso e muito mais, demonstrou que ele indubitavelmente adora a música que faz e toca e que para ele o prazer da música é o que o faz funcionar e não a adoração do público ou o amor pelo espectáculo.

Dificilmente se pode considerar um concerto com a dimensão deste, em que o Pavilhão Atlântico estava cheio a abarrotar como intimista, mas penso que este foi o mais próximo a que se conseguirá chegar disso.
O palco era extremamente simples, com algumas luzes (e ainda assim poucas), sem grandes efeitos que não fossem as cores em si, com uma tela pintada de fundo e nada mais.
A banda é constituída por 6 elementos: o Ben na voz e guitarra, uma segunda guitarra, um baixo, teclas, bateria e percursão. O teclista e o baixista também faziam vozes de suporte.
E pronto, nada de plataformas gigantes, nada de bailarinas, nem fumos, nem explosões, nada disso. O que interessava ali era a música e foi isso que fez do concerto de ontem algo de memorável.

Foi a primeira vez que vi o Ben ao vivo e estranhei quando um pouco antes do concerto ouvi na rádio que ele tinha dispensado a banda que ia fazer a abertura do espectáculo porque, segundo diziam, ele ia querer mais tempo para tocar.
E, de facto, eles entraram em palco pelas 21h20 (20 minutos atrasados, nota-se bem que não são britânicos…) e só pararam de tocar eram já 00h15, mais ou menos. 3 horas de concerto quase sem parar! E note-se que não repetiram uma única música, mesmo nos encores, sempre músicas novas, do enorme repertório que têm.

Ao princípio começaram por tocar as músicas, quase de seguida, apenas com uns agradecimentos muito ligeiros pelo meio, como se estivessem envergonhados ou se estivessem, simplesmente, nas tintas para o público. Logo aqui se notou que a preocupação deles era tocar e tocar bem, a comunicação com o público era mesmo muito sumária.

Mas as pessoas estavam a responder muito bem ao espectáculo (aliás como é costume, seja ele bom ou mau - os portugueses são mesmo um público muito bom (ou bonzinho, conforme), quer os grupos mereçam ou não, mas adiante) e desta vez com razão e em breve já a banda se sentia visivelmente mais à vontade até ao ponto de o próprio Ben Harper apanhar coisas que o público mandava para a plataforma, como máquinas fotográficas ou telemóveis e tirar umas fotos e mandar a máquina de volta, ou falar com quem estava em linha no telemóvel… :)

Enfim, se eu fosse vivo nos anos 70… ou melhor, se tivesse idade para perceber qualquer coisa de música :) acho que os concertos de certos músicos não teriam sido muito diferentes (e atenção, estou apenas a falar da música em sí, nem pensar em comparar o ambiente ou as condições!). Do (admitidamente pouco) que conheço de Hendrix, por exemplo, acho que o Ben o deixaria orgulhoso e as letras de intervenção dele fazem jus a um Bob Dylan sem qualquer dúvida. Mas claro, tudo isto se baseia numa apreciação de longe, como já disse nos anos 70 o que eu ouvia mais eram canções de embalar, por isso este último parágrafo vale pelo que vale.

A única extravagância que notei no concerto foi o número de guitarras que os dois guitarristas, em especial o Ben, levaram para o concerto: logo no início, nas primeiras 5 músicas, não repetiu uma única, trocando sempre de guitarra antes de começar a tocar. E isto eram apenas as guitarras eléctricas, depois ainda viriam, pelo menos, umas 2 guitarras acústicas e duas de tocar no colo (lamentavelmente não sei como se chamam estes instrumentos).

E ele deu um show digno de se ouvir em cada uma delas! Em termos de performance ele é de facto um virtuoso, daquele tipo de músicos que parece que nasceu com uma guitarra agarrada aos braços, toca como se estivesse a conversar e faz o que quer com ela. Fabuloso mesmo. Isto para não falar da voz, quente e modulada. É realmente um encanto vê-lo tocar ao vivo. E desta vez estivemos na fila logo na abertura das portas e conseguimos ficar bem à frente, bastante perto do palco.

O resto da banda também era muito boa e o baixista foi quem se evidenciou mais com uns solos que faziam vibrar toda a gente, aliás ele tocava o baixo de 5 cordas como se fosse uma guitarrazita pequenina, tal era o tamanho dele e acho que isso ajudava… ;) Todos os outros elementos da banda fizeram vários solos e todos tocavam como se estivessem em casa.

É no mínimo estranho e caricato que uma banda destas, com a qualidade e o repertório que têm se tenham tornados conhecidos do público mais em geral por uma coisa como o “Steal My Kisses” mas às vezes acontecem estas coisas inglórias…

Um pormenor que achei curioso foi a idade média das pessoas na assistência. Estava à espera de encontrar gente na minha faixa etária ou até mais velhas, nos 35-40 anos, mas na realidade a maioria do público não deveria andar acima dos 19-20 anos. Não percebo bem como, mas a verdade é que já no Robbie Williams as pessoas em média eram bem mais velhas do que eu esperava, por isso eu estou mesmo completamente por fora.

E assim foi, aquilo que pareceram dois concertos, primeiro Ben Harper & the Innocent Criminals, depois uma pausa que parecia o final do concerto (tinham passado talvez uma hora e meia), depois a volta só do Ben, apenas com guitarras acústicas, no que pareceu mais um concerto só por sí e que durou mais uma hora e pouco e depois, no encore verdadeiro, mais uma meia horita da banda toda.

Quem conhece o Live From Mars poderá reconhecer a estrutura do concerto de ontem pois é muito parecida com a deste disco, e as músicas do disco foram quase todas tocadas ao longo das 3 horas de concerto. Para além disso tocou, como é evidente, quase todas as músicas do Diamonds on the Inside e ainda tocou alguns temas de outros discos.

Fiquei totalmente rendido a ele, tocar (e cantar) durante 3 horas quase sem parar e sempre com uma alegria visível no que se está a fazer é obra e requere muita dedicação e amor à música. E essa dedicação e amor notam-se bem no resultado, é uma verdadeira maravilha vê-lo tocar e considero um verdadeiro privilégio ter podido assistir a este concerto. Se ele cá voltar concerteza que eu vou assistir.