A verdade é que a distância afectiva pode ser uma coisa terrível.
Se nos apercebemos que já existe essa distância então, por virtude dela, já se pode dar o caso de não se conseguir fazer nada para voltar atrás.
Ando há algum tempo para escrever sobre a distância. Não é sobre a distância física. Não pretendo fazer nenhum tratado de geografia nem escrever sobre transportes ou sobre as comunicações e como todos estes factores podem afectar a distância (ou a percepção da mesma).
Não, se fosse isso seria fácil escrever e não andaria há semanas a remoer sobre o que quero ao certo escrever e sobre como fazê-lo sem tornar isto demasiado definitivo. Eu tenho o péssimo hábito de, uma vez colocado um determinado assunto na sua devida perspectiva, considerar que tratei dele o melhor que podia e não volto a colocá-lo em análise até ter razões para o fazer de novo. E essas razões raramente aparecem, se o tratamento que lhe dei foi realmente exaustivo…
Mas sobre o que é que eu quero escrever afinal?
Bom, é sobre a distância psicológica. Ou, mais precisamente, sobre a distância afectiva.
A distância afectiva é algo que existe nas nossas vidas envolvendo uma série de circunstâncias em que é saudável e necessário que ela exista. Mal de nós se não nos conseguíssemos distanciar de uma série de situações que nos afectam mais ou menos mas que não nos dizem directamente respeito e que não queremos de todo que nos toquem mais profundamente. Isto é verdade no trabalho e na nossa vida privada, nas situações que se nos deparam todos os dias inesperadamente e naquelas que tentamos evitar a todo o custo (talvez por sabermos de antemão que não vamos conseguir manter a tão desejada distância emocional).
Mas é claro que isto não tem absolutamente nada a ver com aquilo que eu quero escrever… Mais uma vez estou a adiar o que quero dizer. Talvez por não saber ao certo como dizer o que quero. Talvez por ter medo de o dizer, por pura cobardia…
A verdade é que a distância afectiva pode ser uma coisa terrível. E pode causar uma tristeza enorme quando a sua presença insidiosa começa a fazer-se notar naqueles sítios onde tínhamos a certeza absoluta que nunca encontraríamos tal besta.
E quando nos apercebemos dela já pode ser demasiado tarde. Se nos apercebemos que já existe essa distância então, por virtude dela, já se pode dar o caso de não se conseguir fazer nada para voltar atrás. Afinal isso já é algo que nos é distante, já não nos afecta, não é?
É triste quando nos apercebemos de repente que algo ou (ok, vamos lá) alguém com quem sempre contámos para basicamente tudo e mais alguma coisa se tornou distante. Claro que não estou a falar daquelas pessoas que por virtude do seu percurso de vida foram morar para longe, não necessariamente, pelo menos. Estou a falar daquelas que por virtude do seu percurso de vida ficaram (ou foram) morar noutro universo.
Toda a gente tem um percurso a fazer e, claro está, as experiências de vida que cada um vai acumulando ao longo desse percurso marcam e, sobretudo, transformam as pessoas. Chama-se a isso evolução, se não estou em erro. E diz-se que é bom. Pelo menos é necessário, cada um tem de se adaptar e aprender com essas experiências e até há aqueles que conseguem conduzir essa evolução no sentido que pretendem. Esses são os vulgarmente denominados “vencedores” e, como é políticamente correcto dizer-se hoje em dia, “power to them”. Mas na sua grande maioria as pessoas acabam por seguir caminhos em grande parte marcados pelo acaso (ou sorte se preferirem) e por ir dando apenas uns ligeiros empurrõezinhos nesta ou naquela direcção. Experimentar o que a vida tem para nos oferecer também pode ser bastante satisfatório.
Mas que dizer daquelas pessoas com quem durante anos mantivemos um relacionamento tão estreito, tão próximo que tínhamos a certeza que seja qual for o caminho que cada um de nós siga, haverá sempre uma ligação próxima entre nós? Se os nossos caminhos de aprendizes de Homens nos levaram a pontos diametralmente opostos da (metafórica) terra isso não é obstáculo para a amizade eterna de quem é verdadeiramente amigo e, como tal, há sempre uma rota imediata através do centro da terra de ligação entre nós, certo?
Pois, atrevo-me a dizer que sim, isso é verdade. Mas… é verdade que existem aquelas pessoas que perdemos algures numa curva mais apertada do caminho da vida e com quem perdemos contacto durante sabe-se lá quanto tempo (anos!). Passado algum tempo voltam a entrar na nossa vida, com toda a bagagem adquirida durante este período (que pode ser muita e pesada), e a sua essência manteve-se este tempo todo. Aliás só podia ser assim, a verdadeira essência mantém-se sempre por definição, senão não seria a essência da pessoa. E quando se dão estes casos é uma alegria imensa voltar a darmo-nos com esses velhos amigos. Claro que não somos exactamente as mesmas pessoas, todos aprendemos algo (muito ou pouco, não interessa), todos evoluímos e crescemos. E acabamos por ganhar também com a evolução alheia - todos podemos aprender com a experiência dos outros. Nem que seja aprender a ignorá-la quando se justifica. E esses amigos seguem a sua estrada e nós seguimos a nossa e durante algum tempo até podem ser estradas paralelas (no mínimo são estradas próximas) e se nos voltarmos a afastar por vicissitudes da vida sabemos que mais uma vez temos aquela ligação que ilude as regras da física (e da lógica) e que nos poderemos encontrar de novo se quisermos.
Mas…
E nos casos em que as coisas não se passam assim? E quando aquelas pessoas que nós pensamos que percorrem um caminho próximo do nosso estão na realidade num caminho tão diferente, numa rota tão divergente que, quando nos apercebemos, já estão demasiado longe para quererem encontrar a tal ligação “mágica” que existia e que parecia ser tão forte (porque tão natural)?
Estou confuso. às vezes acontece que as pessoas que nós pensamos que tinham uma essência “volátil”, apesar de agradável, se revelam realmente agradáveis de (re)encontrar e mantêm essa mesma essência tal e qual (ok, talvez um pouco mais polida). Estes casos são as surpresas agradáveis e são os que nos enchem de alegria. Mas como é que nos podemos enganar tanto noutros casos? Nos casos em que pensávamos que determinada pessoa era realmente “compatível” connosco? Que essa pessoa jamais iria mudar as suas características básicas e que, portanto, jamais nos sentiríamos estranhos perante eles? Bolas, como podemos ser estúpidos!
É triste ver que quando o nosso tempo começa a escassear e começamos a ter, necessariamente, menos contacto com as pessoas, aqueles que julgávamos mais próximos e, portanto, mais imunes a essa privação de contacto frequente por vezes são os que mais se afastam. Mas o pior é que esse afastamento nem sempre é óbvio ou visível. Pode começar com uma indisponibilidade para aproveitar um tempinho para nos encontrarmos (mas tudo bem, sei bem como é, também eu tenho uma vida complicada, coitado/a). E continua com mais indisponibilidades. E ainda mais! E claro que nós insistimos, arranjamos tempo que não temos mas como “é por uma boa causa” roubamos aqui e ali… Ou melhor, predispomo-nos a roubar porque a outra pessoa nunca tem esse tempo. Estranho…
Mas tudo bem, há sempre os encontros “oficiais” - as festas, os aniversários, as saídas habituais nem que seja nas noites de verão. Mas ainda assim algo está errado, algo parece não encaixar… Parece que não reconhecemos essa pessoa no seu todo… Os amigos mudaram, mas isso não é razão para nos preocuparmos, e no entanto… As conversas parecem mais de circunstância, mais formais, mais impessoais. E quando referimos esse facto a reacção é firme “claro que não, que disparate! lembras-te quando…”. E no entanto esse “lembraste quando” é usado uma vez, duas vezes… Ok, alto! Algo de muito estranho se passa por aqui!
Será? Não posso crer! Mas… Tanta gente com que eu deixei de me dar, tantos amigos que esqueci e que me esqueceram pelo caminho e logo aqueles com quem sempre mantive o contacto (mais ou menos) regular… Será? Pois, parece que sim, há aqui uma certa distância emocional que me está a incomodar mesmo muito! Mas porquê? O que aconteceu? O que é que não aconteceu? Provavelmente falhei grosseiramente ao longo deste tempo todo, devo ter feito algo de realmente errado e devo tê-lo feito repetidamente. Só pode ser. Que outra explicação haverá para esta coisa tão estranha e tão dolorosa? Sim dolorosa, naturalmente há coisas piores e afastamentos ainda mais marcantes e causadores de desespero (mais tarde, mais tarde, ainda não estou preparado para escrever sobre estes), mas este tipo de distanciamento é realmente doloroso e causa uma tristeza enorme.
Claro que eu fiz alguma coisa de errado. Provavelmente até muitas coisas mas, como se torna habitual ouvir ao fim de um certo tempo de insistência nas tentativas de reaproximação: “são precisos dois para deixarmos de nos ver e a minha casa (metaforicamente falando) é tão longe da tua como a tua da minha”. Pois, mas o ponto é mesmo esse: eu insisti que me fartei, tentei mesmo, aflorei o assunto uma meia dúzia de vezes de modo mais ou menos directo (nunca demasiadamente profundo pois eu conheço os meus amigos e já tive ocasiões suficientes para me aperceber de até onde posso ir), brinquei sobre isso, mostrei que estava desapontado, inventei desculpas para proporcionar uma aproximação e nada… Ou melhor, nada de realmente satisfatório, apenas passagens breves e encurtadas à partida por uma miríade de razões (todas válidas individualmente mas formando um conjunto realmente cerrado de desculpas).
Bolas, que raio é que se passou aqui? Então e aquela história toda sobre a essência? Se a essência é, por definição, imutável então que se passou com a essência do meu amigo? Afinal é tudo uma grande treta e não há uma “essência” inerente a cada pessoa, apenas um conjunto de características temporalmente instáveis?
Não acredito nisso. Talvez porque não quero acreditar, talvez porque acreditar me levaria a ter de deitar por terra grande parte do meu sistema de crenças sem nada que o substitua mas, sobretudo, porque tenho mais provas a favor do que a contrário dessa teoria. Afinal tenho mais exemplos de pessoas que mantiveram a sua essência, o seu “eu” mais profundo relativamente inalterado do que exemplos do contrário. E em alguns casos estas pessoas passaram por provações que nada têm a ver com os pequenos sobressaltos que muitas das tais pessoa mais próximas encontraram no seu caminho. De facto eu nem sei se tenho exemplos do contrário, terá de facto sido isso que aconteceu com o meu amigo? Não terei sido eu demasiado novo e inexperiente para conseguir distinguir a verdadeira essência no meio de todo aquele acne juvenil e dúvidas existenciais? Duvido, consegui faze-lo numa série de outras pessoas, porque é que não conseguiria fazê-lo neste caso? Será que a proximidade me tornou cego a algumas características mais obvias? Duvido… Será que, será que… …
Pois, isso é uma das coisas que mais me incomodam no final de contas: não sei! Não sei de todo o que se passou ou porque é que isso (seja o que for) se passou, mas a verdade é que ela está lá. óbvia, fria, desconsoladora e incontornavel, a distância afectiva está bem presente e avança a passos largos.
E parece-me que não há nada a fazer. Não há nada a fazer por não haver vontade de fazer nada, claro. E é isso que me entristece, que me incomoda! Caramba, vai-se deixar morrer algo que me parece que foi uma boa amizade pela simples preguiça? Mas não, isto não pode ser mesmo preguiça, pois não? A preguiça é uma razão demasiado fraca e fácil para justificar o que está a acontecer. Pode ser que seja eu que quero dar demasiada importância a este relacionamento, mas por preguiça? Seja como for, preguiça, desinteresse, incapacidade, o facto mantêm-se que para já a coisa morreu. Não vou ser fatalista a ponto de dizer que “não há retorno, foi-se para sempre, snif! < violinos >”, mas que vejo o futuro desta relação muito negro, isso vejo. Ou melhor, não é muito negro, é mais um deprimente crú-sujo. Não sabem o que é isso, pois não (as mulheres podem tentar acompanhar a mente masculina aqui por um momento para simplificar, ok? obrigado)? Então é exactamente isso, eu também não sei o que é feito desta relação e certamente não reconheço o meu amigo e não sei de todo o que é feito dele, mas uma coisa é certa: ou a essência dele era outra ou então mudou mesmo muito! Evoluiu para um plano muito superior ao meu que eu não consigo sequer reconhecer, afastou-se para o limbo, parou simplesmente no tempo e estagnou, seja como for não a reconheço e, sobretudo, não me revejo mínimamente nela. E assim fica difícil manter uma amizade verdadeira e aberta.
Sim, acho que fiz um monte de erros (alguns poderia ter evitado, mas a maioria ainda nem sei quais são), mas um erro que não fiz foi o de me desinteressar. Seja como for, o que realmente importa é que já não sei se faz sentido continuar a tentar, não sei se a distância não será já tão grande que, na falta do tal canal mágico de comunicação, não seja já necessário um grande acaso, que faça com que a evolução dos nossos caminhos seja de tal forma que nos voltemos a aproximar de novo num futuro mais ou menos distante. Se assim for, óptimo, ficarei mesmo muito contente. Se não for esse o caso, fico com pena. Lembrar-me-ei sempre dos bons momentos que esta amizade me proporcionou e da felicidade que ela me trouxe, mas ficarei sempre na dúvida sobre o que realmente aconteceu. E isso, enquanto pessoa (e sobretudo enquanto engenheiro - alguém que resolve problemas) incomoda-me terrivelmente! Mas pelo menos a tristeza passa. Isso passa sempre. E nós aprendemos (quanto mais não seja aprendemos a saborear o que temos enquanto o temos).