Já me tinha ocorrido escrever sobre este tema, mas por alguma razão esta foi uma daquelas coisas que ficou sempre para trás, sempre esquecida. Por vezes as coisas que nos são mais familiares, ainda que as apreciemos bastante, acabam por perder protagonismo face à novidade…
Vou então deixar aqui umas notas sobre a rádio.
Mas não é da rádio da manhã, com os locutores frenéticos a tentar manter os condutores acordados enquanto conduzem para o emprego, tentando enfiar um máximo de piadas pelo meio da miríade de spots publicitários, indicações de trânsito, previsões do tempo, resumos das não-notícias dos jornais da manhã e músicas das playlists gastas que nos fazem ficar enjoados de tanto as ouvir.
Nem tão pouco da rádio da tarde, com menos interrupções de trânsito e de previsões do tempo, mas mais cheias ainda das playlists, a esta hora ainda menos ousadas, mais gastas e mais chatas.
A rádio de que eu quero falar brevemente é a rádio da boa!
Aquela que nos faz ter vontade de ouvir rádio. Que nos faz ter vontade de reservar um pouco do nosso tempo para simplesmente prestarmos atenção ao que estamos a ouvir. Aquela que nos obriga a fazer o esforço para estar disponível àquela hora para ouvir aquele programa. Ou então a arranjar alternativas… Mas já lá vamos. ;-)
Quem ler este artigo e tiver idade para tal, talvez se recorde de um conceito antigo –e já (quase) esquecido– da rádio chamado “programas de autor” (musicais, claro). Pois é, aqueles programas que passavam músicas escolhidas a dedo pelo seu autor. Músicas que de alguma forma encaixavam umas com as outras, de acordo com uma sensibilidade muito própria de quem fazia a selecção. Podiam ser novas ou muito antigas, podiam ser êxitos de vendas ou lados B de cassetes (lembram-se?) promocionais, mas de alguma forma, se o dito autor fosse bom no que fazia, o conjunto de todas essas músicas valia muitíssimo mais do que as músicas todas, individualmente.
Tempos houve em que este tipo de programa era bastante apreciado e eram produzidos vários deles em várias rádios nacionais.
Assim de repente vem-me à memória a “Hora do Lobo”, do António Sérgio (que foi retirado do ar, pela Comercial, há coisa de meses), as “Noites Longas do Fm Estéreo”, do António Santos (cujo livro de pequenos textos o meu pai comprou e me lembro perfeitamente de andar lá por casa), o mais popular “Oceano Pacífico”, do João Chaves (que nunca apreciei tanto como os outros que mencionei e que penso que talvez ainda seja emitido)…
Penso que hoje ainda temos alguns programas de autor, sobretudo na Antena1 e Antena2, mas estes são de cariz muito específico, com géneros definidos. Os grandes programas de autor de música pop/rock/folk, esses, na prática, acabaram…
Ou pelo menos eu pensei que sim durante bastante tempo.
Talvez fruto de ter sempre vivido (e estudado) na zona de Lisboa, nunca entrei em contacto com essa mina de pequenas jóias que dá pelo nome de RUC (a Rádio Universitária de Coimbra).
Já se percebe pelo discurso que entretanto esse mal foi sanado e, há uns meses (coisa de dois anos, talvez), deparei com um programa que dá pelo nome de “Íntima Fracção”, que era distribuído, na altura em formato podcast, pela própria RUC.
Quando ouvi pela primeira vez a Íntima nem queria acreditar!
Não queria acreditar que ainda havia programas destes e, sobretudo, não queria acreditar que eu me tinha esquecido que, em tempos, uma grande parte das minhas noites era passada a ouvir, precisamente, coisas assim. (Aqui convém explicar que, felizmente nunca fui muito de me colar à televisão, hábito que hoje se tornou ainda mais vincado).
Bom, fui acompanhando a Íntima Fracção como podia, inicialmente via podcast da RUC, depois via podcast GavezDois, até que a Íntima “saiu do ar”.
Foi triste, mas o Francisco Amaral sempre disse que a coisa não se ficava por aí.
E as boas notícias estouraram há umas (poucas) semanas –as tais de que quero, enfim, falar: a Íntima está agora a ser distribuída pelo Expresso On-Line e o último programa, de seu nome “Sonhos e realidade” é, na minha opinião, dos melhores que foram produzidos desde há bastante tempo.
Já tinha saudades da Íntima. Já tinha muitas saudades. Ainda bem que ela voltou!
Entretanto e para não dar a ideia de que este é o início e o final da coisa, existem mais alguns programas de rádio que consumo –geralmente em formato podcast– e que posso recomendar vivamente.
Temos, por exemplo, o “lado B” do Pedro Esteves, que passa em algumas rádios que muito poucos têm a sorte de conseguir recepcionar (Miróbriga fica longe para quem mora em Cascais e já terminei o meu curso no IST há mais anos do que quero admitir) :-)
E não posso deixar de referir o fabuloso “Vidro Azul”, do Ricardo Mariano, que recentemente ganhou honras de emissão na Rádio Radar, de noite, bem de noite, como cabe a um programa deste género.
É bom ter rádio assim. Mesmo que não a oiça via éter, como o fazia há muitos anos, mesmo assim costumo guardar estes programas para a noite, quando eles sabem melhor, quando eles foram feitos para ser apreciados.
Para mim é totalmente verdade que o vídeo não matou as estrelas da rádio.