Passagem de ano - o síndroma do teenager reprimido

Posted on January 13, 2004

(Por alguma razão tinha este artigo em draft à umas semanas e nunca mais me lembrei dele… Enfim, algo fora de prazo cá vai ele!)

Tenho lido em vários sítios muita gente a revoltar-se contra os hábitos de comemoração da passagem de ano.
As pessoas têem-se declarado contra as festas, as borgas, as demonstrações públicas de folia e a alegria a granel. Mas mais ainda têem-se demonstrado revoltadas contra o facto da euforia ou alegria desmedida ser vista como obrigatória nestes casos.

Segue-se mais um pensamento sobre o assunto à laia de desabafo…

O que acho curioso, sobretudo quando continuo a lêr coisas destas passados já 15 dias do evento, é que na grande maioria dos casos as pessoas acabam por confessar que sim senhor, mais uma vez foram para a festarola do bairro, cidade, discoteca, clube, <insira aqui a associação favorita> deles. Quer as pessoas que eu conheço e com quem falei directamente quer as outras que fazem posts nos seus blogs, páginas, etc têem este comportamento.

Muita gente tem vindo a declarar nos últimos anos ser contra toda a histeria colectiva que envolve a passagem de ano.
É cada vez mais frequente lêr-se ou ouvir-se dizer que “não gosto de me sentir feliz por obrigação” ou “só porque o ano muda não acho normal toda a gente juntar-se para ouvir música má e passar a noite aos pulos” e coisas do género. Parece-me que é moda ser contra tudo isto.
E digo que parece moda porque apesar de muita gente se dizer contra é frequente encontrar essas mesmas pessoas a fazer precisamente aquilo que dizem achar uma coisa sem sentido.

Porquê?

A minha teoria é que toda esta gente sofre do síndroma do teenager reprimido.
Elaborando um pouco mais: toda a gente já foi teenager (duh!). E a maioria dos teenagers (no meu tempo pelo menos era assim, mas hoje como o mundo está perdido e a juventude está toda irremediavelmente corrompida pode não se dar este caso :) ) tem sérios problemas em conseguir uma grande liberdade em termos de horários de saídas nocturnas.
Então todos os pretextos para se poder saír com os amigos à vontade são bons, mas há uns melhores que os outros. E historicamente a passagem de ano é “O” pretexto. É preciso ser um pai muito cruel para não deixar saír o puto na noite de passagem de ano!
Dada esta envolvente é óbvio que a noite de passagem de ano só pode ser uma noite fabulosa e claro que uma pessoa se sente realmente eufórica e com vontade de beber, dançar, gritar, e tudo mais a que tem direito e com todos os amigos ainda por cima!
É uma festa e pêras, está-se mesmo muito bem disposto e tudo o mais mas na realidade isto não tem nada a ver com o calendário e tudo a ver com a oportunidade de estar com os amigos numa grande festa.
E então até a porcaria da música brasileira mais rasca parece uma maravilha, sobretudo depois dos primeiros copos, mas adiante…

Conforme as pessoas crescem e vão ganhando a sua independência as limitações à sua liberdade vão-se atenuando e já se consegue saír com os amigos quase sempre que se quer. Mas as festas da passagem de ano continuam a ser religiosamente um marco, afinal estas sempre foram umas festas de arromba e tem de se manter essas boas tradições.
Só que já não é o mesmo, pois não?

E o que acontece quando invariavelmente se chega àquela fase da vida em que já se está farto de festas e borgas e copos a torto e a direito e estas coisas já têem de ter algo mais por trás para valer a pena?
Bom aí a coisa complica-se porque se, por exemplo, estamos a fazer uma despedida de solteiro então há algo que motiva o pessoal a fazer mesmo uma festa a sério, afinal o gajo vai-se casar, temos de partilhar a alegria com ele e temos de o tramar seja como fôr para ver se ele não consegue aparecer amanhã no casório.
Ou se por acaso encontramos uns amigos que não víamos há N tempo e acabamos por ficar na farra até altas horas é muito bom.
Mas o que raio justifica a audição até à demência das brasileiradas rascas e as brincadeiras imbecis com os martelinhos e os papelinhos e os chapéus infantis? Nada!

Mas espera lá, nada não! Há uma tradição de N anos de uma pessoa saír e se divertir imenso na passagem de ano. Fazemos isto desde putos e não vamos parar agora, é um insulto ao grupo!

E pronto, uma pessoa até sabe que vai apanhar uma seca descomunal e que não vai achar piada nenhuma a mais uma festa de passagem de ano mas bolas, não posso deixar os meus amigos ficarem mal, é uma tradição, uma instituição.
Logo queixo-me disso publicamente e digo alto e bom som que não gosto de ser obrigado a estar muito alegre e contente e que não gosto de música foleira e não me apetece passar a noite a fazer figuras tristes (pelo menos não desta maneira) mas não tenho coragem de faltar à festa.

Voilá! É assim que se consegue transformar um monte de pessoas inteligentes em autómatos sem vontade própria e com um gosto aparente doentio por uma diversão muito duvidosa.

Aqui devo refrescar a memória de quem chegou até este ponto do artigo: tudo isto se aplica apenas àquelas pessoas que dizem não gostar das festas de passagem de ano mas que estão lá sempre batidas, nada disto se aplica a quem realmente as aprecia e faz muito bem sim senhor… ;)

Mas acredito que há salvação para nós. Senão vejamos:
também eu não gosto das festas de passagem de ano em geral. E este ano tive uma das melhores passagens de ano de que me lembro.
Em casa, com a Tuxa, uma lareira bem quentinha (estava mesmo frio, sim), um conjunto de queijos bem escolhidos e um belo vinho tinto alentejano (dos meus favoritos).
A contribuição mais significativa que as festas deram este ano para a nossa passagem foi os fogos de artifício de Cascais que ficam sempre bem. ;)

Afinal há esperança!